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Filosofia da Educação

Uma miniaula, por favor!

O projeto Escola de Rua aumentou o cardápio do Bom Prato: aulas de filosofia e psicologia. Vai pedir o quê?
Bruno Torres
27/09/19

Ele veio de Petrópolis. No bolso, um livro de Krishnamurti e um tostão. Psicólogo de formação, tinha uma necessidade: a liberdade e a autonomia para se expressar. Chegou à casa colaborativa Laboriosa 89, na Vila Madalena, e por lá ficou. Participava de vivências, cursos, tomava banho, dormia e alimentava-se de miojo e pão. Descobriu duas importantes coisas: sua essência e o Bom Prato, restaurante popular de exato um tostão.

“Primeiro, fui ao Bom Prato da Lapa. Olhei a plaquinha: almoço: R$ 1,00. Café da manhã: R$ 0,50. Estou salvo! Em relação à alimentação, estava tranquilo. Passei a ir ao restaurante popular de manhã cedo pra tomar o café da manhã e acabava enrolando na Lapa até o almoço. Nisso, acabei vendo um cara tocar violão na fila.”

Conteúdo saboroso

A relação entre essas coisas viria da máxima “saco vazio não para em pé”. Começou a frequentar os encontros dos grupos Estaleiro Liberdade e do Empreender-se sobre processos de empreendedorismo pelo autoconhecimento, razão que o trouxe para São Paulo. Voltou o olhar para si e sua necessidade. O que ele fazia de melhor? O que fazia seu coração pular e atendia sua essência e desejo enquanto Diego Macedo? E que ainda pudesse ser remunerado?

“Pô eu sei tocar violão também! Mas não é isso... tem de ter a ver com o que me motiva, liberdade e interação com as pessoas. Fiquei com uma coisa na cabeça ao ver um cara que fazia arte na fila. O que melhor sei que poderia ser como uma arte na fila? Pensando na minha trajetória, lembrei que em Petrópolis eu dava muitas palestras. Aula na fila parece ser uma boa ideia. E fui! No outro dia, levei um quadro pequeno e comecei a falar sobre filosofia e psicologia. Fiz um combinado com o cara do violão: você toca uma e eu falo outra.”

Assoviar e chupar cana

Ele dá aula e come. Encontra sustança no arroz, feijão, mistura, banana e pão. Compartilha a barriga cheia, escutando e plantando reflexões naqueles que, na fila, estão ali por alimento. R$1,00 por dia. Mas... a fila anda.

“A primeira vez falei tudo errado! Não entendia o fluxo da fila. Toda vez que alguém andava, eu perdia a fala e o olhar da pessoa. Gaguejei e falei coisas sem sentido. Parei, me acalmei e olhei pro cara do violão, que a essa altura já estava rindo de mim. Percebi que ele tinha razão. A música tem um tempo certo... eu precisava calcular o timing da fila.”

No projeto Escola de Rua, o tempo livre e o espaço público são os requisitos para aprender e ensinar

Falar e ouvir

Dois a três minutos e... próximo! Outra interação, outra pessoa, outro assunto. Raiva, inveja, liberdade. Como brincar sendo grande? Transparência, sinceridade, projetos de vida, mediocridade, amizade, arte de ouvir, humildade, paciência e comunicação não-violenta. Um quadro branco e uma caneta: assim foi criado o Escola de Rua, nome do projeto.

“Normalmente dividimos as coisas entre o sagrado e o profano. As sagradas são as que a gente frequenta. Já as profanas, as que a gente se afasta. Escola, todo mundo fala que é uma coisa legal. Dizem que clube de festa também é. As pessoas determinam aquilo que é sagrado para elas. E a rua surge como algo profano. Mas quando sabemos que somos nós os responsáveis por um ou por outro, podemos passar a olhar a rua como uma possibilidade de sagrado.”

Sabedoria da rua

O Bom Prato materializa a rua. Reúne a diferença, o inesperado, o improviso. Nela, tudo pode acontecer, inclusive as oportunidades. Com o Escola de Rua, Diego propõe tornar a rua um lugar de possibilidade.

“Somente passamos por ela. A rua é um espaço que não é olhado como forma de expressão. E se não está sendo olhada, é porque está presa. Vir para rua e se expressar é tirar a prisão e ver que ali eu posso manifestar algo de mim e compartilhar, trocar, dois a três minutos de aprendizagem.”

Só aprende quem ensina

Se somos capazes de moldar espaços, cabe o (re)desenho de ambientes educacionais abertos. Sem caixas, estruturas fechadas e grade curricular. A dinâmica torna-se mais ágil e criativa: você me ensina, eu te ensino, somos todos educadores. A rua é nosso encontro. Mas pode ser também no metrô, em um café, em uma casa colaborativa, no parque, no estádio.

“A primeira coisa que entendo é que eu não sou a Escola de Rua. Eu sou parte dela e um dos seus professores. A ideia é que, a partir de agora, se crie um movimento, uma rede de professores de rua, na rua. Pessoas que queiram transmitir o que sabem em qualquer espaço, e a rua é um deles.”

Quanto mais, melhor

O primeiro encontro para “educadores-multiplicadores” já rolou. Os próximos passos são aumentar a rede e tornar o projeto recorrente e sustentável financeiramente. Para começar, Diego abriu uma campanha na plataforma de financiamento coletivo Catarse. Segundo a proposta, cada R$ 100 arrecadados viabilizavam um dia de aula do projeto. O total obtido de R$ 5.335 permitirá 53 dias de aula. Com 11 saídas já realizadas, Diego quer a continuidade. A ideia é criar e fomentar o apoio espontâneo ao projeto pela rede de pessoas que já o apoiaram e a partir daí expandir e continuar indo pra rua.

Hoje o Escola de Rua acontece nas filas dos Bom Prato espalhados pela cidade, no metrô, no Parque Ibirapuera e nas ruas por aí. O projeto que partiu de uma necessidade real, hoje é compartilhado e ganha reforço de sentido: “se todos os espaços podem ser percebidos como lugares onde podemos aprender, abrimos, antes de tudo, espaço para que as pessoas se sintam confortáveis em sonhar, criar, participar e escrever a sua própria história, até mesmo na fila do restaurante popular.” Conecte-se com o Diego se você quiser apoiar espontaneamente com um ou mais tostões!


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