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Construção

Tibá: onde nasce a bioarquitetura

Johan Van Lengen, holandês autor do livro “Manual do arquiteto descalço”, defende que a bioconstrução deve manter contato com a natureza e os costumes das pessoas
Bruno Torres
27/09/19

“A ideia é que não precisamos de uma nova arquitetura, precisamos é de um novo arquiteto, um arquiteto que pense de uma maneira diferente, e acho que isso tratamos de conseguir aqui no Tibá, de trabalhar não com a mente, mas com a visão. Trabalhar com a realidade.”

Johan Van Lengen, 82 anos, nasceu em Amsterdã, formou-se arquiteto no Canadá, foi professor de projeto na Califórnia e trabalhou para a Organização das Nações Unidas (ONU) durante oito anos. Mas foi vivendo na América Latina que ele realizou suas principais obras, tanto na arquitetura como na vida pessoal.

Autor do livro Manual do Arquiteto Descalço, um guia de construção destinado a todo tipo de usuário, Lengen fixou residência na região serrana do Rio de Janeiro, onde construiu o Tibá, lugar de encontros e estudos voltados para o desenvolvimento humano e a realização de uma consciência ambiental mais plena.

Ali seria criado também o termo “bioarquitetura”, amplamente utilizado nos dias de hoje para designar as construções feitas com materiais naturais, e implantadas em harmonia com o ambiente.

O próprio criador da bioarquitetura, no entanto, já não acredita em quaisquer termos que sirvam para diferenciar os tipos de arquitetura, como nos conta nesta entrevista concedida ao Namu, em que fala sobre temas como trabalho, vida, consciência humana, além de suas principais obras, o Manual do Arquiteto Descalço e o Tibá.

Arquitetura

“Um dos problemas que temos hoje é que a arquitetura tem muitas expressões: modernismo, pós-modernismo, arquitetura orgânica, bioarquitetura. Antes não era assim, arquitetura era arquitetura. Era o modo como se estava construindo, e neste processo a cultura era muito importante. Então arquitetura na China era muito diferente da arquitetura na Indonésia, ou na Europa, América Latina e cada uma era fantástica.

Agora, o problema que eu vejo na arquitetura atual, moderna ou pós-moderna, é que é tudo igual! Pode ser que um arquiteto famoso faça a mesma arquitetura em Xangai, ou em Melbourne, ou em Madri, e é tudo a mesma coisa, não se sabe onde está localizado o projeto. Antes não era assim, porque arquitetura era uma expressão da cultura das pessoas, de uso de material, de clima. Era uma expressão muito forte.

Um grupo de índios esteve aqui no Tibá, os xavantes. O cacique falou uma coisa muito bonita sobre arquitetura como extensão da proteção do espírito. A gente tem um espírito, que está dentro de um corpo, dentro da pele. E depois tem a roupa, depois tem a casa, como proteção, e depois tem o meio ambiente, a terra, as estrelas, uma sequência. Acho que a nossa arquitetura de hoje infelizmente não tem mais isso.”

Tecnologia intuitiva e bioarquitetura

“Mas para voltar para bioarquitetura, isto é, uma coisa que saiu daqui anos atrás, quando começávamos o instituto ou centro Tibá. Então, era necessário formular o que poderia ser Tibá. Sabíamos que era uma palavra da língua tupi que quer dizer "lugar onde muita gente se encontra", mas seria bom que a sigla Tibá fosse algo.

Johan Van Lengen

Então T de tecnologia, A de arquitetura, I, intuitivo, assim trabalhando com o espírito. Mas para B, procurávamos ainda um significado. E aí, como minha mulher fazia parte de um grupo de artistas no México, e eles usavam o termo “Bio-Arte”, eu pensei: ‘bio’ significa vida, então, bioarquitetura seria uma arquitetura com vida!

Essa foi a origem da palavra, que comecei a utilizar em palestras e conferências pelo mundo. Depois, pensei: está errado. Arquitetura é arquitetura e sempre foi bioarquitetura, seja nos iglus dos esquimós ou nas ocas dos índios. Não havia um tipo de arquitetura, outro tipo de bioarquitetura e outro tipo que era arquitetura orgânica. Arquitetura era arquitetura. Mas logo se via se uma era asteca, outra aborígene. Infelizmente, hoje já não é tudo tão claro.”

Trabalhar com a realidade

“Então bioarquitetura começou assim, aqui no Tibá, mas para que estamos utilizando isto? A ideia é de que não precisamos de uma nova arquitetura, precisamos é de um novo arquiteto, um arquiteto que pense de uma maneira diferente, e acho que isso tratamos de conseguir aqui no Tibá, de trabalhar não com a mente, mas com a visão. Trabalhar com a realidade.

Infelizmente, o que acontece hoje é que há uma corrupção completa do idioma. Por causa dos políticos, dos vendedores, o idioma não é muito claro. E o que acontece é que somos educados através do idioma, e então vemos as coisas através de palavras. E isto existe também na arquitetura, uma cortina de palavras para descrever as coisas.

Quando a arquitetura já está sendo feita, isso não importa. Mas quando se começa a fazer um projeto, e já tem que lutar com essa série de palavras, aí é mais difícil.

Por isso tratamos de dar um pouco de proteção ao jovem arquiteto que vem aqui estudar, para que não caia na armadilha de não ver a realidade, mas sim que esteja mais em contato com a natureza, com os costumes das pessoas, o padrão da família. Tudo isto entra no anteprojeto.

Em nossa formação profissional, trabalho é uma profissão para ter status, um salário, um modo de viver. Mas não devemos esquecer que a palavra trabalho vem da antiga Roma, de trabalium, que era uma mesa com eixos e cordas que se podia virar para amarrar uma pessoa e esticá-la. Um instrumento de tortura, esta é a base do nosso conceito de trabalho. Então isto já é muito destrutivo, porque trabalho pode ser um prazer de fazer as coisas. E se virmos isto como um prazer, os resultados serão diferentes também.”

Entrada do TIBÁ

Arquitetura é uma aventura

“Então, como será o novo arquiteto? O novo arquiteto, isso eu aprendi quando estive aqui no Brasil pela primeira vez, em 1961, com o arquiteto Sérgio Bernardes. Eu notei como ele tinha prazer em fazer as coisas. Aprendi como ele tinha prazer em ser arquiteto. Fazer os desenhos, maquetes, qualquer aspecto. Detalhes de portas, janelas, tudo era uma aventura.

Porque arquitetura é uma aventura. Você começa com um papel branco e aí vão crescer coisas - você não sabe ainda como vai sair, é a sua imaginação que vai trabalhar e através disso vão aparecer desenhos de toda forma. É uma grande aventura, um grande prazer.

É esse o enfoque no Tibá. Porque na escola se aprende a tecnologia, as maneiras de desenhar, projetar e tudo. Mas me parece - e não estou falando apenas de Brasil, mas também de Canadá, Holanda, que seja - que não está se ensinando a ser arquiteto, está se aprendendo arquitetura mas não a ser arquiteto, em todos seus aspectos. As dificuldades, mas também os prazeres. No momento em que você descobre os prazeres, aí faz a diferença.”

Consciência humana

“Então, para descobrir isto, como Tibá em tupi significa ‘lugar onde muita gente se encontra’, pode ser que encontrem um ao outro, mas é também onde você encontra a si mesmo. Isso é muito importante.

Quem estava trabalhando muito com isso era Jung. Gustav Jung descreve como seres humanos não são totalmente homem ou totalmente mulher, mas que o homem tem sua parte feminina, que ele chama de ‘anima’, assim como a mulher tem sua parte masculina, que ele chamaanimus’. Como minha mulher estava muito interessada nestes aspectos, eu participei de reuniões com junguianos, mas não entendi muito bem o que queria dizer anima.

Até que um dia, no Tibá, de repente encontrei minha anima , e isso fez uma grande diferença. Isto fez de minha vida uma coisa de riqueza em toda forma. Coisas bonitas pareciam ainda mais bonitas, mas também a tristeza, assim com poemas, me levavam facilmente ao choro. Mas era uma vida viva, ‘bio’ mesmo. Então acho que quando as pessoas encontrarem sua anima ou animus, eles vão entrar em um caminho mais rico, com mais variedades.

Muita gente tem medo da morte. Porque não curtiu sua vida e já não tem mais tempo. Então eles percebem que lhes foi dada essa maravilha que é a vida e estão na terra com gente, com amigos, com crianças, velhos, com todas essas possibilidades, várias formas de cultura, e no entanto não apreciaram, ficaram fechados. E isso só se descobre quando se está velho.

Estamos falando aqui também que vida é uma coisa fantástica. É possível ver isso na natureza, os animais, como eles são vivos, e nós muitas vezes não estamos apreciando.”

Manual do Arquiteto Descalço

Muitas vezes as pessoas me perguntam: “Como foi que você escreveu este livro, o Manual do Arquiteto Descalço? Você sempre quis fazer isso?"

A origem é um pouco diferente. Eu estava trabalhando em um projeto de "desfavelização", na área de casas populares, em Salvador (BA), e elas eram construídas em cima de palafitas, na lama. Eu fui lá para ter uma ideia como eram as casas populares, sobre pilotis. Quando eu estava lá, entre as pessoas, duas coisas me impressionaram.

Primeiro o que esta gente, muito pobre fazia com seu material de construção. O material deles era um depósito de lixo da cidade, que era perto de lá, e eles procuravam pedaços de materiais, e assim fizeram suas casas, de vez em quando de dois ou três andares. Fizeram bairros, grande parte em cima de palafitas.

Então eu pensei: ‘puxa, de onde vem esta criatividade? É bem do ser humano, adaptar-se e fazer o melhor possível.’

Mas vi também uma outra coisa. Ao lado da criatividade, faltava algum conhecimento estrutural. Havia casas ainda no começo da construção que já estavam caindo. Então eu pensei: o que eles precisam é de um livro, ou panfletos, o que seja, com este tipo de informação.

Comecei a buscar material para este livro e acrescentei também: como projetar, para que serve cozinha, banheiro, encanamento, todos estes detalhes que seriam úteis para estas pessoas. E isto virou o Manual do Arquiteto Descalço. Porque eles são arquitetos, pois estão fazendo suas casas, com muitas ideias, só precisam de um pouco de direção. Esta foi a intenção do livro.

Nunca pensei que seria usado em tantos lugares e por tanta gente diferente. De vez em quando, encontro pessoas que dizem: ‘Ah, você que escreveu isto? Meu pai fez nossa casa usando este livro!’ Então são coisas que nos dão prazer, e nos fazem pensar que não foi inútil o nosso trabalho.”

TIBÁ

Fotos: Diana Figueroa


 


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