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Filosofia Moderna

Kant e a percepção do mundo

Filósofo alemão tentou chegar aos limites do conhecimento humano em sua obra Crítica da Razão Pura
Bruno Torres
27/09/19

As expectativas do mercado para o profissional do século 21 é um dos temas mais frequentes quando se trata de mundo corporativo. Aparentemente, quem se dedicar ao desenvolvimento de algumas competências consideradas fundamentais, como resiliência e criatividade, encontrará seu futuro garantido no universo empresarial, certo? Errado. O sucesso nesse ambiente não depende apenas da adequação de um indivíduo às expectativas que o mercado declara serem fundamentais.

As habilidades esperadas atualmente de um indivíduo não dizem respeito a essa ou àquela atividade profissional, mas sim ao mundo dos negócios em geral. A resiliência e a criatividade não são condições suficientes para ele alcançar o sucesso. É necessário possuir conhecimentos básicos sobre a atividade que pretende executar ou saber como adquiri-los. Um publicitário resiliente nunca exercerá de forma satisfatória a função de contador se não dominar noções primárias de contabilidade ou se não souber onde aprendê-las.

Se transpusermos essa questão para o conhecimento, seremos capazes de reconhecer que a lógica assumiu, durante muito tempo, essa prerrogativa à universalidade. Como fornecia regras de um raciocínio correto, mas abstraído de todo objeto, ela havia se tornado o instrumento fundamental de qualquer disciplina do conhecimento. O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) abordou essa condição e apresentou uma posição interessante sobre ela.

Lógica geral e transcendental

Segundo o filósofo, a lógica geral é a ciência das regras do entendimento que se abstrai de todo objeto de conhecimento e se volta apenas para as relações dos conteúdos entre si. Não importa se tratamos de reações químicas ou fenômenos físicos, mas sim se os raciocínios utilizados para relacionar, conectar ou separar cada um desses diferentes objetos de conhecimento estão de acordo com as regras do entendimento instituídas pela lógica geral.

Como não está orientada para nenhuma disciplina ou objeto em particular, o único princípio que confere legitimidade aos juízos emitidos pela lógica geral é o de contradição, também conhecido como princípio de não-contradição. O juízo (“Sol é amarelo”) nada mais é do que a junção, mediada pelo verbo ser (“é”), entre um sujeito (“Sol”) e um predicado (“amarelo”). Posto isso, o princípio de contradição declara que um juízo perde sua validade se afirmar e negar o predicado de um sujeito: “o hidrogênio é o elemento químico menos denso e não é o elemento químico menos denso”, “Deus é mau e não é mau”, por exemplo. Inversamente, um juízo garante sua validade se não for contraditório: “o hidrogênio é o elemento químico menos denso”, “Deus não é mau”.

O princípio de contradição, critério geral e seguro do conhecimento, é necessário para garantir o estatuto de verdade de qualquer juízo lógico. Mas seria ele também suficiente? Esse princípio seria capaz de validar o juízo de qualquer disciplina do conhecimento? Vamos verificar o seguinte juízo: “o ósmio é o elemento químico menos denso”. O princípio de contradição nos garante que esse juízo não é falso, pois não é contraditório, mas não nos assegura que seja verdadeiro, porque sabemos que é o hidrogênio o elemento menos denso. Portanto, o princípio de contradição é necessário para validar um juízo, mas não suficiente.

Se considerarmos a definição kantiana de verdade, veremos que, de fato, tal princípio não é suficiente para garantir a verdade de um juízo. Segundo Kant, a verdade é a concordância do conhecimento com seu objeto, ou seja, o juízo não pode ignorar o objeto de conhecimento para ser considerado verdadeiro. Precisamos encontrar um princípio capaz de garantir não apenas que o juízo não é falso, o que nos é mostrado por sua concordância com o princípio de contradição, mas também que ele é verdadeiro e conjuga o juízo e o objeto. Esse princípio pode ser fornecido pela lógica transcendental.

A lógica transcendental é também uma ciência das regras do entendimento. Diferentemente da lógica geral, ela não trata apenas da validade das formas lógicas do entendimento em forma ampla, está também orientada ao objeto de conhecimento, o que é alcançado por meio da experiência dos sentidos. Isso nos permite recortar um objeto de conhecimento (um fenômeno físico ou uma reação química) e descrever suas características, estabelecer relações entre as suas diversas amostras (entre dois fenômenos físicos ou duas reações químicas diferentes) e elaborar medidas e cálculos.

Os breves exemplos acima, entretanto, não são suficientes para a lógica transcendental. Eles são pertinentes a cada disciplina do conhecimento, o que nos impede de encontrar um critério universal e válido para compreender qualquer objeto de conhecimento. Não estamos em busca da definição de reação química ou de fenômeno físico, mas sim do que torna possível experimentá-los.

Experiência

O leitor já deve ter percebido que Kant tinha interesse em saber quais eram as condições que tornavam possível a própria experiência do sujeito, seja a percepção de uma reação química ou fenômeno físico, e não somente a que ocorria por meio da impressão dos sentidos e surgia pela visualização mental de impressões anteriores. As condições que possibilitavam a experiência de um sujeito, como ver o pôr do Sol ou ouvir um show de rock, não podiam ser encontradas no próprio objeto experimentado (o Sol se pondo ou a banda tocando uma música). Era imperativo mudar o caminho da investigação.

Para averiguar as condições que tornavam possível a própria experiência, Kant investigou o sujeito de conhecimento. Independentemente de outros fatores, o que possibilitava nesse indivíduo a experiência? Tomemos uma casa como exemplo. Se eliminássemos seus móveis, suas paredes e seu telhado, o que restaria? Restaria apenas a extensão desse objeto, ou seja, o espaço que a casa ocupava. Se eliminássemos da música suas variações melódicas, suas construções harmônicas e seu ritmo compassado, o que encontraríamos? A sucessão e a simultaneidade desse objeto, ou seja, o tempo.

Em sua obra clássica, Crítica da Razão Pura, Immanuel Kant escreve: “eliminai, pouco a pouco, do vosso conceito de experiência de um corpo tudo que nele é empírico, a cor, a rugosidade ou maciesa, o peso, a própria impenetrabilidade; restará, por fim, o espaço que esse corpo (agora totalmente desaparecido) ocupava e que não podeis eliminar.” 

O espaço e o tempo não são conceitos aprendidos pela experiência, mas são tornam possível toda e qualquer experiência. Em linguagem kantiana, o espaço e o tempo são as formas a priori da sensibilidade. Nesse caso, a expressão “a priori” (do latim “de antes”) indica aquilo que está estabelecido antes da experiência, ou seja, o tempo e o espaço não estão localizados nos objetos que experimentamos, mas sim no próprio sujeito, que pode experimentar temporal e espacialmente o mundo sensível.

A investigação kantiana pode ser facilmente aplicada. Mesmo se nos esforçarmos com obstinação, não conseguiremos experimentar objetos eternos ou sem extensão. Somos capazes de falar sobre a eternidade, mas jamais experimentamos ou experimentaremos qualquer objeto fora do tempo. Somos capazes de conceber o espaço vazio ou um ponto muito pequeno, porém nunca teremos a experiência do vazio sem espaço e de um objeto sem extensão.

A lógica transcendental não é uma investigação sobre os objetos empíricos ou sensíveis do conhecimento, nem a respeito das condições que tornam possível a um objeto ser conhecido por um sujeito. As conclusões de Kant podem ser extrapoladas e nos levar a refletir sobre situações surpreendentes. A realidade terrestre, por exemplo, pode ser muito mais complexa do que imaginamos. Talvez, um alienígena seria capaz de perceber aspectos e dimensões de nosso mundo desde sempre ignorados pela espécie humana. Conhecemos apenas aquilo que é temporal e espacial. Segundo Kant, essa é a condição de nosso conhecimento.

Foto: Vanity Productions / Flick: Company / CC BY 2.0


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