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Filosofia

Como cultivar a paciência

Mestre de budismo tibetano, Lama Michel, aponta que diante da doença o importante é direcionar nossa energia para uma solução
Bruno Torres
31/03/15

Lama Michel Rinpoche acredita que ao adotarmos, no cotidiano, atitudes que nos ajudem a transformar a raiva em paciência, podemos alcançar uma vida plena e mais pacífica. Paulistano de 36 anos, ele é reconhecido como a reencarnação de altíssima linhagem de um mestre do budismo tibetano. Aos 12 anos, tomou a decisão de mudar-se para um monastério na Índia e seguir a vida monástica. Há mais de 10 anos vive na Itália com o seu mestre Lama Gangchen Rinpoche e orienta diversos centros budistas na Europa e no mundo. No Brasil, junto com Lama Gangchen, orienta o Centro de Dharma da Paz. É vice-presidente da Fondazione Lama Gangchen per una Cultura di Pace, na Itália e presidente da Fundação Lama Gangchen para a Cultura de Paz, no Brasil.

Em entrevista, exclusiva, ao Portal NAMU, durante viagem ao Brasil, Lama Michel concedeu alguns ensinamentos sobre paciência nos relacionamentos familiares, conflitos e doenças.

Portal NAMU: Há pressa para tudo e muito estresse em um grande centro urbano como São Paulo. Neste contexto, qual o sentido da paciência?

Lama Michel Rinpoche: Um dos significados da paciência é não reagir de forma negativa diante das situações difíceis. Nesse estilo de vida, é importante considerar que a paciência vem junto com a aceitação. Isto não significa se submeter, mas colocar a energia na solução e não no problema.

Por exemplo, se estou no trânsito e tenho horário para chegar, mas o trânsito está parado, posso fazer alguma coisa? Não. Então, relaxe. Use o tempo de forma inteligente: ouça uma aula, escute uma música, reflita, respire ou observe a própria respiração.

Quando precisamos fazer as coisas rapidamente é importante entender que ser paciente não significa fazer tudo de forma lenta, mas dar o espaço correto para cada coisa: “Estou fazendo isso? É isso que estou fazendo. Pronto”. Muitas vezes tenho mil coisas para fazer em pouco tempo. Não é por isso que as faço com pressa, já pensando na próxima coisa que preciso fazer. Quando isso acontece acabamos bagunçando uma coisa com a outra e isso gera ansiedade.

Como devemos lidar com as nossas expectativas?

A raiva nasce da expectativa exagerada. Ou seja, começo algo já com a expectativa que aquilo aconteça da forma que quero, no tempo que quero e assim por diante. Mas, as coisas não vão do jeito que esperamos e ficamos mal, acabamos culpando alguém e reagimos com violência. Isso gera ansiedade, insônia, problemas relacionais e de saúde.

O mundo à nossa volta é reflexo de nosso mundo interior?

Às vezes estamos concentrados em algo que temos pressa para terminar e chega alguém que consegue nos tirar do sério. Aquele tipo de pessoa que parece que faz de propósito só para irritar.

Então, quando estamos fazendo algo com pressa e alguém nos interrompe, muitas vezes não é por que a pessoa está nos provocando. É porque já estamos hipersensíveis. Assim, nos colocamos na defensiva e reagimos de forma negativa. Há os dois lados. É claro que há pessoas que dizem coisas que não queremos escutar num momento inapropriado. Por que parece que faz de propósito? O que ocorre? Como agir nesta situação?

Mas como fazer na prática?

Uma coisa importante é respeitar o nosso limite. Mantenha a concentração no que está fazendo e peça desculpas para a pessoa. O que melhora é concentrar toda a energia para a pessoa em dois minutos: "OK. É isso? Tenho pouco tempo. Ouvi, entendi. Já vou ver isso, obrigado. Tchau." E volta para o que estava fazendo.

Nesse tipo de situação, quando não damos atenção à pessoa, ou reagimos com afastamento, ela se sente ofendida e vai atrás. Entra num ciclo muito pior. Por isso, é importante manter a concentração e, se vier alguém, dar aquela mini atenção que é necessária no momento: "Estou aqui. ” Anote, diga: “Mande um e-mail. A gente se fala daqui a pouco, neste momento não consigo lhe dar a atenção necessária".

Muitas vezes, somos nós que estamos hipersensíveis e acabamos projetando no outro a nossa fragilidade. A realidade à nossa volta não existe independentemente de nós mesmos. Quando alguém fala conosco, depende muito de nosso estado interior, de como vemos isso. Temos de lembrar disso e não colocar toda a culpa na pessoa que está à nossa volta.

Como cultivar a paciência em um ambiente familiar?

Em família, criamos uma ideia fixa sobre como essas pessoas são e como devem ser: “Eu te conheço, você é minha irmã. Tenho toda uma imagem mental sobre você. O que acontece se você se comporta de uma maneira diferente da qual eu penso? De quem é a culpa? É sua. Como você não está sendo aquilo que você deveria ser? ”

A família é aquela que tem de ser compreensiva, que tem de entender o que penso e me aceitar. Espero todo o amor do mundo de uma forma incondicional. Só que eu quero isso de você e você quer isso de mim. Desta forma, os conflitos são criados.

É preciso lembrar que quem está do outro lado também está tentando fazer o melhor, da mesma maneira que estamos. Uma outra coisa é criar um pouco de distância. E, quando falo de distância, quero dizer espaço.

E os conflitos, como devemos lidar?

Quando duas pessoas - ou mais - ficam muito perto, mesmo numa amizade, mais cedo ou mais tarde, isso gera conflito. Um outro aspecto, é que acabamos perdendo um limite, uma fronteira que temos de formalidade com as outras pessoas. E, muitas vezes, usamos a intimidade para fazer coisas que não são corretas, como julgar: "Ah, eu te conheço, como você não fez isso certo? Como você pode fazer aquilo?"

Outro ponto que temos que tomar cuidado é que quando ficamos nervosos acabamos descarregando nas pessoas que estão mais perto de nós. Por exemplo: você é minha irmã e estou com problema no trabalho. Mas, quando chego em casa, brigo com você. Como você vê isso? Que eu te tratei mal. Você não sabe o problema no meu trabalho e não está nem aí para saber. O fato é que te tratei mal.

Precisamos lembrar que, na vida, há pessoas que escolhemos e outras que não escolhemos. Podemos até dizer que é uma missão se relacionar bem com essas pessoas. É o nosso aprendizado. Quanto melhor for a relação que temos com nossos pais e irmãos, melhor vai ser o relacionamento que vamos ter com todas as outras pessoas à nossa volta, pois é na família que aprendemos a nos relacionar.

Ao invés de projetar no outro: "Ah, mas meu pai não deveria ser assim. Minha mãe não deveria fazer aquilo, podemos pensar "como posso me relacionar positivamente com essas pessoas?" Isto é importante e ajuda muito.

Como ser paciente com o nosso próprio corpo diante da doença?

Diante da doença, o importante é direcionar nossa energia para uma solução. Existe a doença e a dor. O que vou fazer? Vou pegar essa energia de destruição e usá-la para fazer os exercícios necessários, tomar os remédios e procurar fazer algo que seja construtivo. Sem reprimir aquela sensação de mal-estar e até de indignação: "Como isso pode ter acontecido comigo?" Direcionar essa energia para aquilo que ajuda.

O importante é o que eu posso fazer agora para melhorar a situação. É com isso que tenho de lidar. Nesse caso, todo nível de aceitação ajuda muito: "Muito bem. Estou aqui. Esperava que fosse assim? Não. Gostaria que fosse diferente? Sim. Mas a realidade que tenho neste momento é essa. Não sei como vai ser amanhã. Pode melhorar ou piorar. Então vamos viver o momento de hoje? ” É procurar voltar para esse momento. “O que posso fazer para me sentir melhor agora?"

Mas como funciona na prática?

Uma técnica que pode ajudar é usar a própria respiração. Observar e contar a respiração. Inspirar e expirar. Bem lentamente. Isso vai acalmando a mente.

Um aspecto da relação com a doença é a dificuldade de aceitar que a situação na qual nos encontramos é resultado de causas e condições que foram criadas para estarmos assim. Mesmo que não saibamos quais foram essas causas e condições. Dentro deste aspecto, outra técnica consiste em procurar, pensar em criar causas boas no momento presente para que tenha bons resultados amanhã.

Lembrar que, ao reagir com raiva, a doença só vai aumentar. Pelo amor que temos a nós mesmos, pensar: "Muito bem, já estou com este problema, não vou colocar mais uma coisa em cima disso."

E quando a pessoa está deprimida e nem consegue ter consciência de que está numa depressão muito grande?

É importante começar a fazer alguma coisa pequena. Lembrar que o grande só existe através do pequeno. Temos de sair de um ciclo vicioso, no qual nos encontramos, em que não vemos nada, não temos o que fazer, é tudo péssimo.

Nesse momento é importante fazer alguma coisa. Nem que ela seja bem pequena, como ir a um lugar diferente. Conhecer outras pessoas. Fazer uma prática de meditação. Começar a fazer algo que dê um mínimo de satisfação. Começar com aquele pouquinho. Isso já vai abrir a mente para outras possibilidades, o que é muito importante neste caso.

Uma pessoa com depressão se sente muito vazia. Sem um sentido para vida. Ela deve procurar tratamento médico. Mas, assim que começar a melhorar, uma coisa que funciona é ajudar outras pessoas. Fazer algo para alguém, pois isso lhe fará se sentir útil, ter um sentido para estar viva. Por exemplo, ir a uma instituição de crianças com câncer. Faça alguma coisa. Pegue um amigo que está precisando de ajuda. Quando a gente tem que fazer algo para o outro, isto traz uma satisfação incrível, nos dá força. Aumenta a nossa autoestima porque nos vemos capazes de fazer algo significativo. Isso é extremamente importante!

Fotos: Divulgação / Centro de Dharma da Paz


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