João era um adolescente tímido. Diferente dos outros, ele não tinha muitos amigos, conversar era tarefa difícil. A hora do recreio era uma das mais temidas, porque nela sua solidão saltava aos olhos alheios. Meninas, que costumam ocupar a cabeça dos rapazes de sua idade, não passavam de uma fantasia distante. O João era assim, todos estavam acostumados com o seu jeito, inclusive ele. Até que chegou o dia de escolher os papéis para a próxima peça de teatro na escola.
O professor, em uma escolha inusitada, designou para ele o papel de Don Juan. O personagem era conquistador, extrovertido, espalhafatoso, tudo o que João não era. Ainda assim, ele topou o desafio. Foi uma luta. Ele trabalhou muito para desenvolver essas características e, até o último momento, muitos apostavam no fracasso do garoto tímido. Por razão desconhecida ou por extrema coragem, ao subir ao palco, João atuou de forma brilhante. Nem seus pais, assustados e vislumbrados, reconheceram o próprio filho. Com essa experiência, João alterou o rumo de sua vida.
Quem contou essa história sobre João (nome fictício) foi o psicólogo e pedagogo Josef Yaari, em sua fala na primeira noite do Ciclo de Encontros com a Educação que discutiu a prática teatral na escola. O debate foi organizado pela Sociedade Antroposófica no Brasil no Espaço Cultural Rudolf Steiner.
“O teatro transforma, dá autoestima e força para enfrentar o medo e as opressões”, reforça Amauri Falseti, fundador e diretor da Cia Paidéia de Teatro. Começar a atuar desde pequeno pode ajudar a desenvolver o senso de coletividade. Por exigir trabalho em equipe, “montar uma peça é sempre uma experiência que mobiliza a comunidade escolar”, concordam o pedagogo Yaari e Leonardo Cortez, ator, dramaturgo e arte-educador.
Se pensarmos que desde pequenos brincamos de imitar personagens de desenho animado ou até mesmo familiares, o teatro na escola funcionaria apenas como uma permissão para essa brincadeira entrar no ambiente da educação formal. “A diferença é que se pode brincar a sério; o aluno muda completamente quando ele se dá conta que pode brincar de máscaras e personagens”, explica Yaari.
Muito mais do que um tempo para distração das matérias tradicionais, a prática teatral pode auxiliar na formação do jovem como pessoa e como cidadão. “O teatro possibilita a reflexão sobre os problemas do mundo e a busca por soluções. Ele é o laboratório da vida”, enfatiza Cortez.
Amauri Falseti reforça: “O teatro é fundamental na vida da criança. O resultado é como ser humano, como cidadão. Eu acredito tanto que a gente aprende com o outro, se vê no outro e se transforma com o outro. Para criança isso é muito importante.”
A adolescência também costuma ser uma fase turbulenta. Nesse período, os dramas pessoais são, muitas vezes, colocados em uma dimensão bem maior do que as reais. Nesse sentido, Cortez explica que o teatro, nessa fase principalmente, é uma forma de colocar esses problemas em um plano secundário que relativiza a importância dessas questões. “Nenhuma dor pode ser tão grande a ponto de menosprezar a sua capacidade realizadora.”
Como experiência própria, ele conta que começar a fazer teatro na adolescência salvou sua vida. “Eu era um adolescente muito recluso e o encontro com o teatro foi o encontro com o meu lugar no mundo. Um lugar onde eu podia me expressar, socializar e fazer amigos. Isso me gerou uma sensação de pertencimento.”
Cartolina de intervenções feitas entre os arte-educadores com a temática do teatro na escola
Apesar dos benefícios citados, essa atividade ainda é vista, em algumas escolas, como secundária. Opositor dessa visão, Falseti considera o teatro como algo necessário no ambiente educacional. “Eu não acho que o teatro é terapêutico, é uma questão de necessidade nesse mundo que a gente vive. O teatro é a possibilidade de transformação.”
Na pedagogia Waldorf, embasada na antroposofia, o teatro se revela como uma importante ferramenta educativa e começa já no segundo e terceiro ano. “O teatro coloca o aluno em situações inusitadas. Assim, ele tem que lidar com elas e interpretar personagens para esses novos enredos. O teatro é uma grande oportunidade para desenvolver a alma da criança”, conta Michael Mösch, secretário-geral da Sociedade Antropósfica no Brasil.
Fotos: Marina Fontanelli
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